sábado, 7 de maio de 2016

O amor pelos livros


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Descrição (afetiva da imagem): Tempos atrás fui ao MAM, no Rio de Janeiro, para uma exposição de Waltércio Caldas chamada "Livros". Inesquecível, a exposição mostrava livros como obras de arte, belas obras de arte, inusitadas, lindas, davam a ver o que não sabíamos que podiam ser e fazer os livros. A imagem acima é uma obra dessa série de Caldas. É um livro de acrílico esverdeado, transparente. O livro de acrílico não tem folhas, nem páginas. Na capa lemos o que também é o título da obra: Como imprimir sombras. Refletidas pela transparência, as palavras, ou suas sombras, podem ser lidas também na capa de fundo do livro. É que talvez os livros façam existir esses possíveis, esses talvez óbvios possíveis que não vemos, não fosse a simplicidade e a genialidade do artista.

Num telejornal qualquer, tempos atrás, assisti a uma entrevista. A repórter apressada corria atrás de um homem bem vestido, que parecia se esquivar daquela abordagem. Ele se detém por um minuto, corpo tenso indicando que o impulso era sair logo dali. O homem era um dos donos da Editora Cosac e Naif que acabara de encerrar suas atividades no Brasil. As perguntas de sempre eram dirigidas ao homem e as respostas também de sempre não diziam nada que as manchetes dos jornais já não estampassem: a crise econômica não dava tréguas. Não cheguei a me ligar naquele jogo banal de perguntas e respostas, mas fiquei ali, jogada no sofá, entregue ao meu próprio pesar pelo fim da editora, cujos livros eu admirava, comprava, lia. Eram livros para quem gosta de livros, para quem gosta de ler, para quem gosta de arte. E eu me incluo no grupo dos que tem esses gostos. De modo inesperado, uma pergunta da repórter suspendeu o imediatismo das respostas, produziu um silêncio do entrevistado e foi justo esse silêncio que eu ouvi. Eduardo Coutinho dizia que o silêncio depois de uma fala é a coisa mais importante de se ouvir. Eu ouvi. A repórter pergunta ao homem: o que é que permanece depois de todos esses anos de atividade da editora Cosac e Naif? O que fica de toda essa história? O homem cala. Eu calo com ele. Estou inteira ao lado dele. O silêncio. A correria da repórter foi detida por aquele silêncio. Sem dizer palavra, os olhos do homem bem vestido ficam molhados. Ele abaixa a cabeça, o microfone permanece diante de sua boca. É um tempo precioso, 30 anos de atividade da Cosac, de algum modo, apareciam nos 30 segundos de silêncio. Apareciam com força, rasgavam a cena, me pregavam naquela suspensão. O homem levanta os olhos, já adianta os passos para se retirar daquele encontro e diz: fica o amor pelos livros. Da poltrona onde estava deitada, partilhei com ele aquele amor e o vi partir, bem vestido, naquele dia chuvoso.

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