sábado, 30 de abril de 2016

Tempo, tempo, tempo: és um dos deuses mais lindos [e mais misteriosos]



[imagem]
Descrição da imagem: É uma cena de uma menina abrindo uma porta. Pela postura de seu corpo, ligeiramente inclinado avançando para o mundo que do outro lado se descortina, é possível sentir toda a sua curiosidade. Ela usa vestido rodado, meia calça branca e sapato. As pernas finas sob o vestido, meio dobradas, parecem antecipar e temer os passos que logo ela dará rumo ao mundo depois da porta. O ambiente é de meia luz, teto direito bem alto, o que dá a menina uma estatura menor, pequena diante daquela imensidão que o ambiente anuncia e [tenta] aprisionar. Do lado direito da cena, por uma janela, entra uma luz forte, intensa. Anuncia que há um fora daquele ambiente. Não sabemos se o fora da janela é o mesmo que se vislumbra pela porta, por onde também passa uma luz, um facho de luz mais franco do que o da janela e muito, mas muito, convidativo.

Passados quatro meses desde o último post no Garatujas, dou-me conta de que nesse período o cotidiano não foi, de modo algum, livre de histórias. Ao contrário, sob o sol de um verão interminável, as histórias povoaram esses dias. Mas o tempo para escreve-las, ah... o tempo! Um dos deuses mais lindos, o tempo é cheio de mistérios. Há dias que escorrem pelos dedos das mãos, outros que ficam conosco nos limites do infinito. Faço com Caetano a bela oração ao tempo, esse compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, em busca de um acordo que nos una num outro tipo de vínculo. Nos últimos dias que antecederam às férias, tão sonhadas férias, deitei-me em orações ao tempo. Adormeci rapidamente com o corpo extenuado pelo trabalho intenso, os olhos e a mente exauridos pelas leituras obrigatórias e pelas milhares de mensagens que nos chegam por todos os poros nestes dias de conexão digital. Naquele estado entre o sono, que já me pesava nas pálpebras, e a vigília, eu fazia as minhas orações ao tempo, cantarolando em silêncio: tempo, tempo, tempo, peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso, tempo, tempo, tempo. A oração ao tempo foi sumindo lentamente, desaparecendo com a decisiva e derradeira  aproximação do sono. Enquanto as últimas palavras e acordes da oração ao tempo tomavam minha alma, meu corpo já entrava num mundo de Alice, num universo de Nárnia. Era o meu quarto, a minha cama, as férias que já se aproximavam e, com as férias, os sonhos.  Planejamos que iríamos para a serra, para o mato, em busca de frescor e de águas doces. E foi justamente para uma floresta que meus sonhos me levaram, agora de corpo e alma.  Eu atravessara uma porta. Estávamos juntos, felizes, eu e meu nego diante de uma imensa e exuberante floresta. Era um mundo enorme que se abria diante de nós onde era possível sentir a umidade das folhas das árvores, ouvir o canto dos passarinhos, ver a infinidade de tons de verde que coloriam a cena.  Leve, alegre e talvez ainda sob um cantarolar da oração ao tempo que se fazia em mim à minha revelia, perguntei ao meu nego: Nego, entre todos os deuses que moram nessa floresta, qual deles você acha que pode exigir de nós mais submissão? Pude olhar para meu nego, ver seu sorriso, sentir sua mão segurando a minha, mas não o ouvi dizer palavra: o despertador ao meu lado soara um alto e estridente alarme.

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