domingo, 6 de dezembro de 2015

Pelas portas, pelas paredes, pelas telas: poesias cotidianas

O que  leva uma pessoa a escrever uma frase, um poema, uma rima atrás das portas dos banheiros? Quando eu era criança achava que aqueles escritos estavam ali porque eram para ser escondidos, eram proibidos. Meus olhos infantis viam nos palavrões que naqueles espaços grassavam a fina flor do proibido. Escritos no avesso da porta, dali não deviam sair, era o que eu pensava. Mas hoje penso diferente. Os escritos nos avessos de portas de banheiros estão ali para nos alcançar, quem sabe para fazer daquele momento de solidão um ponto de virada. Pois que minha vida tem se virado e revirado com esses dizeres. Não sei se traio seus autores ao desejar retirá-los do avesso e colocá-los para circular no mundo. Não sei. Arrisco-me na profanação daqueles escritos agitada pelo desejo de que eles façam mover outras pessoas, que não puderam ainda encontrá-los.
[Imagem]
Descrição da imagem: Em tinta azul, escrito à mão, le-se: a razão é rasinha, amor.

Que a razão seja rasinha, eu desconfiava, intuía, mas jamais esta forma de enunciação chegou-me à boca. Filosofias de botequim por vezes dizem que a razão é elevada, superior. Ou afirmam o seu contrário, absolutamente simétrico: que a razão não é nada, nada sabe, é inferior. Pelo avesso dessa porta fiquei sabendo que a razão é rasinha, está ali, amor, à vista, rasinha, rasinha. Talvez não chegue a pronunciar nada de muito relevante, mas está ali, rasinha. Chego a essa conclusão pelo avesso da porta e como a frase é dita ao amor, sorrio, com malícia, com graça, como quem descobriu alguma coisa nova. A razão é rasinha, está ali, ao alcance, rasinha, rasinha. Sem pânico, sem subserviência, sem alarde me sinto interpelada: pelo amor e pela razão rasinha.

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