domingo, 15 de novembro de 2015

Atenção ao desembarque

Se tem um dia da semana de que gosto é a sexta-feira. Não sou judia, mas faço do shabbat o meu ritual particular, aprendido por certo, com o meu amor. Nesse dia, quando a noite chega, já não trabalho mais, entrego-me aos prazeres do ócio, do chinelo havaiana ao vinho. Entrego-me a Dionisius com prazer e deleite até a manhã de domingo, quando alguns afazeres me convocam de novo ao trabalho. O anoitecer da sexta-feira é o início de um novo tempo para mim. Todas as semanas desfruto de um novo tempo dentro do tempo corrido dos dias, do frenesi do zapzap, das loucuras dos emails e da enxurrada de informações. Ah, que delícia, enfim, é sexta-feira! Logo, não me façam perguntas díficeis, não, não li aquele email, não vi o zapzap, não soube que o prazo final daquele edital é hoje, agora, não soube que aquela banca é agora, não soube de nada. É sexta-feira, e isso é tudo o que sei! Neste clima de entrega ao ócio e seus prazeres, todas as sextas deixo o Rio de Janeiro de barca, de volta para casa, em Niterói. Há anos e anos tenho compromissos de trabalho no Rio às sextas. Compromissos adoráveis, com alunos e alunas com quem partilho uma vida cheia de histórias, de alegrias, de conquistas.  É inegável, no entanto, que sair do Rio e do trabalho no anoitecer das sextas-feiras é uma das imensas alegrias da vida. Entro na barca como quem embarca num túnel do tempo, é outra a minha alma, o meu corpo, os meus pés que antecipam as havaianas antes mesmo de encontra-las. E repetidamente, semana após semana, quando desço da barca, ouço o marinheiro dizer: Atenção ao desembarque, Atenção ao desembarque! Escuto essa frase como uma doce melodia que me chega aos ouvidos para me fazer presente à sexta-feira, para me fazer respirar fundo e encher os pulmões de ar. Já me levanto da cadeira da barca à espera da melodia. E ela vem, sexta após sexta: Atenção ao desembarque, atenção ao desembarque! Gosto de sair do barco olhando inicialmente para o chão, para o degrau, talvez extraindo da melodia um dos seus sentidos, possivelmente o mais óbvio. Mas se lanço o olhar para o chão é para ter o imenso prazer de levanta-lo em seguida e deixa-lo percorrer as cores do céu, as cores e formas das montanhas que contornam a baía de Guanabara, as luzes da minha cidade que começam a se acender. A cada sexta é uma paisagem: no verão o céu vermelho, a indecisão entre o dia e a noite torna a paisagem lindíssima, o vento quente convida a bebida gelada. No inverno, o frio carioca convoca a casa e a meia de lã. E eu chego, toda sexta-feira, entregue, solta, livre! A vocês todos desejo e peço: Atenção ao desembarque! Ao marinheiro, gratidão, e atenção ao desembarque!

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