segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Pau de selfie


18 de março de 2015.

Acho muito interessante o que se pode dizer em cada língua. Há coisas que só podem ser ditas em uma língua, não em outra. Exemplo disso é o pau de selfie, expressão linguística que ganha contornos únicos no nosso idioma, o português. Antes da consideração, digamos linguística, há que ser observado o próprio fenômeno. A todo momento há pessoas tirando fotos de si mesmas - selfies. Dos enterros às passeatas, pelos quatro cantos do mundo, qualquer ocasião é ocasião para um selfie. Parece-me um fenômeno recente, contemporâneo, uma admiração enorme por si mesmo. Um si mesmo que se fotografa daqui, dali, no claro, no escuro, em todas as situações. Sim, sim, conheço o mito do Narciso e tenho convicção de que somos todos, em maior ou menor medida, herdeiros do tal mito. Mas é que o fenômeno a que me refiro parece um pouco diferente do que se passa com Narciso. Primeiro, o lago-espelho está sempre no bolso. A toda hora saca-se o lago-espelho para um clique. Depois, a questão não é tanto tirar a foto por tirar, porém, mostra-la, coloca-la pelas redes sociais, por todas as redes sociais. Por fim, a pessoa parece que viceja com as fotos tiradas e espalhadas. O processo torna-se infinito: tira selfies, partilha, viceja, tira selfies, partilha, viceja, tira selfies... Não vai no que digo um julgamento moral. Não é isso o relevante. Sublinho a minha perplexidade, agudizada pela intensidade que o fenômeno ganha com o pau de selfie. Que beleza de aparato! O tal do pau de selfie aumenta a potência dos selfies! Maior alance, novos ângulos para as imagens! Talvez até o pau de selfie tenha redefinido o selfie. Não sei bem se podemos dizer que um fenômeno existe fora das suas formas de dizer, nessa complicação filosófica não entrarei, ainda que esteja ciente de que o que digo passa por esse imbróglio. O que me parece mágico - opto por ficar com essa versão da coisa, quase uma mágica! - é que essa expressão, pau de selfie, tem uma pertinência com o tal fenômeno que só se expressa em português! Por exemplo, em inlgês, o selfie stick não tem o mesmo sentido, a ambiguidade: pau-de-selfie! Um primor da nossa língua, que precisão, que bela ambiguidade, que força tem essa expressão para falar desse fenômeno de forma reduzida, com muito mais concisão do que pude fazer nesse post! Essa é a mágica! A precisão linguística da ambiguidade! Um self, um pau. Juntos vão ao infinito e além, reproduzindo imagens e mais imagens de si mesmo. Não é curioso isso? Sempre me espanto quando o ouço os camelos aos gritos: pau-de-self, pau-de-self! E sempre tenho vontade de gritar logo em seguida: que belas palavras! a precisão da ambiguidade! bravo, bravo!

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