terça-feira, 10 de novembro de 2015

Da epistemologia e da vida cotidiana: ou como os objetos são teimosos


16 de abril de 2015.

Hoje na aula de epistemologia falávamos sobre um texto no qual se lia que após uma crise do paradigma moderno, vivemos uma abertura a um novo paradigma que, entre outras coisas, investe num conhecimento construído pela ligação, pela conexão, pelo que nos liga ao mundo. O novo registro é o da interconexão, da intertextualidade. Muito bem, acho que entendemos isso. Mas salta aos olhos que nem tudo se liga, há coisas que tem uma teimosia danada em não conectar, em não ligar. Insistem na separação com uma persistência espantosa. Foi justamente o que vivemos outro dia. Temos um aparelho de som que é uma relíquia, foi lançado, disseram, no mesmo ano que o Fusca! É a válvula! Sim, a válvula! Chuchu beleza, som de primeira! Acontece que quando aquilo enguiça é uma danação. Não tem peça para repor, ninguém sabe como operar com aquela geringonça que pesa mais ou menos 10 toneladas, por aí... Encontramos um senhor de idade, apenas esse senhor, que conserta o aparelho, cata as peças, monta gambiarras, faz de um tudo para botar a coisa a funcionar. Sempre digo a ele: seu José, vou me desfazer desse som, vou comprar outro, coisa moderna, tipo 4 em um! Já viu por aí? E ele sempre me convence a não fazer isso, o fusca, o som, as válvulas, ele jovem, sonhando em ter esse aparelho de som, não teve... encontrou conosco e com o nosso som, uma relíquia... E ele segue nessa linha há anos! Anos e anos! Agora a relíquia resolveu dar uma descansada de novo e não conseguimos falar com seu José. Dei um golpe, sem ser infiel aos sonhos do Seu José (isso jamais!): vamos partir para outra, ficamos com a relíquia e partimos para a pós-modernidade (na linguagem do texto). Nada de 4 em um, são muitos em um, tudo ligado sem fio! É? Sem fio? Perguntei. E como é que bota a música aí? O vendedor explicou detidamente, falou do blutufi (aquele th maldito e impronunciável... seguimos no nosso português brasileiro), as promessas eram realmente da conexão de tudo com tudo via blutufi! O blutufi deve ser o cara nessa pós-modernidade da conexão, foi o que logo pensei! Chegando em casa começa a dificuldade. Abri a caixa e o aparelho estava lá dentro, com um fio apenas, o que o liga à tomada para carregar. Não tinha manual! Não que eu leia manual, não leio, aquilo não é para ser lido. Mas é para dar aquela segurança de que alguém vai ler o manual, vai entender o que está ali e vai resolver as questões. Uma segurança emocional. Fiquei super insegura, sem manual, que estranho. Liguei, olhei, mexi, remexi, chamei o google... Desisti, a coisa permaneceu muda, inerte e indiferente às minhas investidas. Recorri ao intelectual que tenho em casa e falei que era preciso resolver o problema. De um lado, a relíquia aposentada, de outro, a pós-modernidade teimosa. O intelectual disse-me que era fácil, era só passar a música pelo blutufi. Ah, que ótimo, é fácil! Então tá tudo certo. Espero o sábado, o intelectual num estalar de blutufi coloca isso para funcionar. Chegou o sábado. Rapaaaazzzz!!! Na teoria tudo é fácil!!! Blutufi o escambau!! O intelectual sentou-se, estranhou, foi para o google, descolou um vídeo bizarro de um cara que mostra que o tal aparelho funciona debaixo dágua! Que útil, pensei! Vamos ouvir música debaixo dágua! A cena era formada pelo intelectual sentado, o computador, o youtube e aquele cara enfiando a caixa de som numa bacia, milhares de outros pequenos aparelhos em volta, tudo ligado no blutufi, nada conectado, nada funcionando. Clamamos por um fio, um cabo, sei lá, muito melhor, bota um fio, liga uma coisa na outra e pronto! Foram horas nessa saga. A teimosia das coisas, não queriam conectar não. Se lixaram para o blutufi. A caixa de som permanecia muda. Ah, tem um aplicativo! Baixa o aplicativo, o cara da bacia está falando isso. Baixamos. Ih, não é esse aplicativo não, é outro. Baixamos o outro. E agora? Tecla, liga, desliga, senta, levanta. Silêncio. O cara da bacia disse que se pode ter várias caixas dessas, todas ligadas via aplicativo via blutufi! Ih, gente, se uma caixa já não liga com nada, imagina várias caixas? Vai ser uma desgraça pelada. Até que após horas de batalha, o intelectual domina o blutufi, que domina os outros aparelhos e o som explode naquela caixa roliça!!!!! Alto, forte, vibrante!!! Pulei, dancei, aquilo ecoou no corpo e na alma!! Quéquéisso??? Era Nina Simone, louvando my sweet lord!!!!! Ah, louvamos também, raios! Na marra conectamos muitos em um, via blutufi na voz rascante de Nina Simone!!! Gritamos com ela: aleluia, aleluia!!!! Yes, a pós-modernidade deve ser isso aí!!! Depois vieram os compas, Gilberto Gil, Tim Maia, Jorge Benjor, Belle and Sebastian, Bob Dylan! Foi uma invasão, uma festa! Fiquei eufórica, cantei noite adentro com essa galera toda! Conexão total, uhuuuuhuuu!!!!!!!!!!!! Envio Nina Simone para vocês! Alguém pode resistir a esse som e não explodir de alegria junto com ele?
PS: E se alguém aí encontrar o Seu José não esquece de dizer a ele que os sonhos dele estão aqui conosco, vamos cuidar deles com o maior carinho! O fusca, as válvulas, a relíquia, tudo isso uma hora dessa vai fazer conexão e nós estaremos aqui para louva-la com o Seu José!!!

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