sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Você sabe quem morreu hoje?

Meu nego e eu visitamos uma cidade linda, São João Del Rey, em Minas Gerais. Fomos só nos dois, o garoto não quis ir. Impressionei-me com a beleza das luzes no entorno da praça onde fica a catedral. Que lindas as luzes amarelas sob o céu negro e límpido de uma noite quente, com estrelas e lua cheia! Sem contar as delícias das comidas, das ruas, das construções antigas. É tudo tão encantador naquela cidade! O povo é alegre, cheio de histórias para contar. Foram dias felizes os que passamos naquele lugar. Num dos nossos passeios encontramos um homem que mudou o curso dos nossos passos. Era um dia quente, fazia sol, a rua estava agitada, no que isso pode ter de sentido numa cidade pequena. Meu nego e eu vínhamos caminhando, admirando o movimento da rua quando de longe avistamos um homem que gritava alto, muito alto, ele berrava: VOCÊ SABE QUEM MORREU HOJE? VOCÊ SABE QUEM MORREU HOJE?  Estava sozinho, acompanhado apenas por seus próprios gritos, movimentava as mãos, parecendo estar tomado por uma dor cortante. As pessoas se assustavam com ele e ao ouvirem aqueles gritos, se afastavam. De modo que conforme ele caminhava ia produzindo um vazio em torno de si. A cada passo abria um vazio, um passo, um grito, um vazio, um passo, um grito, um vazio. Ele vinha em nossa direção, seus gritos chegavam até nós antes que pudéssemos discernir seu rosto. Éramos alcançados primeiro pelos gritos e pelo vazio. Até que ele passou ao nosso lado: VOCÊ SABE QUEM MORREU HOJE? VOCÊ SABE QUEM MORREU HOJE? Nossos olhares se cruzaram rapidamente, não nos afastamos dele e meu nego de imediato respondeu, bem alto, gritando também: NÃO! QUEM? O homem pára por um segundo, abaixa os braços, parece respirar com mais vagar. Ficamos ali ao lado dele, naquele olhar, naquela respiração. Aquilo durou um segundo e uma eternidade. Era uma presença o que sustentávamos. Ficamos. Até que ele seguiu no seu caminhar, agora mais lento, menos crispado e em silêncio. Não sabemos se mais à frente ele voltou a gritar, sabemos, no entanto, que nos encontramos, paramos e nos olhamos. Eu e meu nego também seguimos em nossa caminhada, um tempo em silêncio, até que pergunto ao nego como foi que ele decidiu responder ao homem. O nego me disse que o homem fazia uma pergunta, esperava, pois, alguma resposta. Foi o que ele fez, respondeu. Parou, aceitou desviar o curso dos seus passos por aqueles gritos. Fui com ele e naquele dia o amei mais um pouco. E você: sabe quem morreu hoje?

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